A normalização da obesidade e suas consequências para o indivíduo e sociedade

Dr. Gustavo Schvartsman • 2 de dezembro de 2019

Eu venho acompanhando com um pouco de receio um movimento a favor da normalização da obesidade.

 

O movimento se origina em uma resistência aos padrões estéticos impostos pelos canais de comunicação, onde homens e mulheres são retratados com um corpo atlético e definido, atrelando a imagem da perfeição ao sucesso amoroso e financeiro, criando expectativas que nunca correspondem à realidade das pessoas "comuns". Sou amplamente favorável a esse movimento, que vai contra uma objetificação do corpo humano. A dificuldade de aceitação das pequenas imperfeições, corrigidas com photoshop ou cirurgias plásticas, leva jovens à bulimia, anorexia nervosa, depressão e até suicídio.

 

A obesidade, porém, vai muito além de estética. Seus riscos à saúde e custos à sociedade são amplamente conhecidos. A tendência que vejo é de pessoas jovens (15-30 anos) que têm dificuldade em mudar hábitos de vida, e encontram no discurso da normalização da obesidade um conforto para se esquivar da necessidade de adquirir hábitos de vida saudáveis em uma sociedade tão caótica, mas progressista. Há uma falsa sensação, por alguns relatos de caso midiáticos, de que pessoas obesas podem ser tão saudáveis quanto as não-obesas. É evidente que isso pode ocorrer, assim como quem fuma durante uma vida inteira pode nunca desenvolver câncer. O risco, porém, é significativamente elevado, e o problema de saúde só irá acontecer após os 50 anos de idade (e não aos 20, como vemos blogueiros falando que são obesos e sem qualquer problema de saúde), momento da vida quando a sobrecarga excessiva de peso vai danificando permanentemente as articulações (levando à artrose, um dos piores problemas da terceira idade), enrijecendo e formando placas de gordura nas artérias (causa da doença cardiovascular) e à mutação de células (podendo ocasionar câncer).

 

Vejo que a dificuldade em se manter com peso adequado ocorre por três principais motivos:

 

1. Imposição de uma indústria alimentícia desleal, com propagandas excessivas, alimentos com alto teor de açúcar, gordura saturada e sódio - sabidamente aditivos (inclusive causam dependência e abstinência), onde qualquer alimento natural e saudável fica sem gosto em comparação. Exs: café sem açúcar ou adoçante, carne sem sal, pão sem manteiga, alimentos integrais versus refinados (pão, arroz, massa).

 

2. Tecnologia: hoje não fazemos absolutamente nada de esforço para atividades corriqueiras: ficar sentado na frente da televisão (até para trocar de canal não se mexe mais); ir ao trabalho de carro (até para baixar o vidro não precisa mais girar a manivela); subir e descer de elevador, entre muitas outras. Não se gasta mais energia para fazer o que se fazia antes, de modo que as pessoas (eu incluso) têm de ficar correndo em círculos ou esteiras que nem bobos antes ou depois do expediente para compensar a falta de atividade durante o dia.

 

3. Por último, o estresse diário impede que prestemos atenção na nossa saúde - seja não tendo tempo para se exercitar ou para preparar uma comida saudável, e comê-la em tempo adequado. O estresse também desencadeia uma série de alterações metabólicas e inflamatórias que levam à obesidade, doença cardiovascular e câncer.

 

Sempre digo no consultório que dieta não funciona. Apenas uma mudança profunda em nossa relação com a alimentação e com a dinâmica de trabalho e lazer trarão benefícios a longo prazo.

 

Algumas dicas podem ser facilmente aplicadas no dia-a-dia e podem facilitar essa transição:

 

- Subir e descer escadas. Às vezes subimos um, dois andares de elevador, que sempre está lotado. Após 3 dias subindo pelas escadas, o esforço já fica menos extenuante, e quando menos esperamos, estamos subindo 7 andares sem problemas.

 

- Evitar o carro sempre que possível. Andar ou ir de bicicleta ao trabalho é ideal, mas nem sempre factível. Para saídas do dia-a-dia (supermercado, restaurantes, farmácia, encontrar família/amigos), particularmente no final de semana, é perfeitamente factível.

 

- Estabelecer uma rotina de dormir e acordar no mesmo horário todos os dias. O dia fica melhor planejado, o sono mais regular e reparador. Fazer as coisas com calma faz muita diferença.

 

- Evitar refeições pesadas e álcool à noite. O ideal é um jantar leve, com salada e uma proteína, o mais cedo possível. O sono ficará mais reparador, a disposição no dia seguinte maior. Um bom café da manhã é melhor do que um jantar pesado.

 

- Prestar atenção no supermercado. Ler os ingredientes (a ordem dos ingredientes é decrescente em relação à quantidade presente). Evitar comprar o que tem açúcar, edulcorante, ou muitos produtos químicos. Na tabela nutricional, preferir baixa quantidade de açúcares e gorduras saturadas, e maior quantidade de fibras, gorduras insaturadas, e proteína (a depender do alimento). Um bom jeito de notar a diferença é comparar um pacote de pão branco com um de pão 100% integral multi-grãos.

 

- Prestar atenção no método de cocção (em casa ou comendo fora). Do melhor para o pior: cru (quando de boa procedência e bem lavado) > no vapor > cozido > assado > grelhado > frito. Quando for grelhar ou assar, o ideal é apenas untar a panela para não grudar, removendo o excesso de óleo com um papel toalha. Evitar fritura sempre.

 

- Comer mais devagar, e mastigar. Às vezes, dá para comer metade de uma porção atingindo a mesma saciedade, se a comida for mastigada adequadamente e as garfadas forem mais pausadas. O tempo curto para refeição deve ser evitado sempre que possível. Esse momento do dia é para descansar e não se apressar.

 

- Dedicar 30-60 minutos de atividade física por dia, com assistência profissional e progressão gradual sempre que possível, pelo menos 4x por semana.

 

Em termos de saúde pública, os seguintes aspectos deveriam ser discutidos pelos congressistas e sociedades médicas:

 

- Restrição de propagandas. Na década de 50/60, a indústria tabágica operava de maneira descontrolada. O resultado: milhões de vidas perdidas para o câncer, bilhões de dólares com gastos em saúde e décadas de políticas públicas para reverter o vício ao tabaco e a prevalência de tabagismo. O que ocorre hoje na indústria alimentícia de baixa qualidade é tão grave quanto, mas passa completamente desapercebido.

 

- Restrição de concentração de açúcar, gordura saturada e sódio, ou elevação de tributos acima de certo limite.

 

- Estimular a produção orgânica e natural, sem processamento.

 

- Estampar nos rótulos dos produtos nocivos os riscos associados ao se consumí-los (infarto, derrame, câncer), quando houver consenso científico. Novamente, à semelhança de quem compra um maço de cigarro.

 

- Incentivos tributários e em planos de saúde para quem cuida da própria saúde, por metas de peso, indicadores no sangue, etc (uma vez que é impossível pela nossa constituição que se cobre mais de quem não se cuida).

 

- Incentivar o transporte individual de pequeno porte (bicicletas) e transporte coletivo limpo, com malha cicloviária segura, encurtamento de distâncias, segurança nas ruas, mais áreas verdes, veículos elétricos para melhorar a poluição nas metrópoles, etc. Mobilidade urbana é fundamental para diminuir o uso de carros, estimular atividades físicas e deslocamento com as próprias pernas. Basta fazer uma comparação superficial com cidades européias e americanas que sejam planas e com transporte público abrangente - a quantidade de pessoas na rua é incrivelmente superior do que em São Paulo. Na nossa própria cidade se vê alguns pontos semelhantes - na região central e avenida Paulista, onde há metrô, ciclovias, ônibus, e transporte por aplicativo, houve um grande aumento do número de usuários desses sistemas, pela oportunidade de integrá-los nos deslocamentos diários.

 

Alguns fatos sobre obesidade e saúde:

 

1. O SUS gastou R$488 milhões com obesidade em 2011. Essa cifra provavelmente aumentou consideravelmente, já que em 2008 a prevalência de obesidade era de 11% e em 2019 subiu para 20%. O índice de sobrepeso é de 55%.

 

2. Nos EUA, onde a prevalência de obesidade atingiu 40%, os gastos anuais chegaram a incríveis U$190 bilhões.

 

3. 2,8 milhões de pessoas morrem por ano devido à obesidade.

 

4. A indústria de fastfood tem receita de U$570 bilhões anualmente (sendo 200 bi nos EUA hoje, comparado com 6 bi em 1970).

 

5. O departamento de marketing dessas indústrias é amplamente científico. As propagandas ativam a área do cérebro que traduz recompensa. Crianças e adolescentes, com o cérebro ainda em desenvolvimento, são particularmente sensíveis. O aumento da obesidade infantil está diretamente associado ao aumento da propaganda.

 

Fontes:

- https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/sus-gasta-488-milhoes-por-ano-com-obesidade-7881980

- https://www.cdc.gov/obesity/data/adult.html

- https://www.who.int/features/factfiles/obesity/en/

- https://www.franchisehelp.com/industry-reports/fast-food-industry-analysis-2018-cost-trends/

- https://www.jstor.org/stable/10.1086/590132?seq=1#metadata_info_tab_contents

- https://www.theguardian.com/society/2018/may/31/half-of-tv-ads-seen-by-children-are-for-junk-food-and-drink-report


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